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20 de Abril de 2024

Fiança em tráfico de drogas (?!)

Um Juiz arbitrou fiança em um processo de apuração do crime de tráfico de drogas.

há 9 anos

Conversava com um amigo advogado e ele me disse que, em um Plantão Judicial de final de semana, o juiz concedeu liberdade provisória ao seu cliente (que era acusado de traficar drogas). Todavia, não se trata de uma simples liberdade provisória, mas uma condicionada ao pagamento de fiança.

Mas e o artigo 323, inciso II, do CPP?

Vejamos a decisão (da qual retirei apenas o nome da parte):

Processo: 0000133-74.2015.8.08.0048 (TJ/ES)

DECISÃO

Trata-se de Comunicação de Prisão em Flagrante Delito em desfavor de MÉVIO, em decorrência da prática do crime tipificado no artigo 33, caput, da Lei 11.343/06.

O flagranciado, por intermédio de sua Patrona, requereu a concessão de sua liberdade provisória.

É O RELATÓRIO. DECIDO.

Inicialmente, verifico que a prisão do indiciado foi efetuada legalmente nos cânones do artigo 302 do Código de Processo Penal. Constam do presente as advertências legais quanto aos direitos constitucionais do flagranciado. Não existem, portanto, vícios formais ou materiais que venham a macular a prisão.

O Juiz poderá conceder ao réu liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, se e quando o agente tiver praticado o fato em uma das situações previstas no artigo 23 do Código Penal Brasileiro, ou nos casos em que o julgador verificar a não ocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva, arregimentadas no artigo 312 do Código de Processo Penal, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão. É o que se infere da inteligência do artigo 310, inciso I e parágrafo único e artigo 321 do CPP. Então, consoante tal regramento processual, se as provas consubstanciadas no auto de prisão em flagrante não evidenciarem a necessidade de ser decretada a custódia cautelar, a concessão da liberdade provisória se impõe.

Ademais, com a nova redação do artigo 319 do Código de Processo Penal foi estabelecido um amplo regime de liberdade provisória, com diferentes níveis de vinculação ao processo, estabelecendo um escalonamento gradativo, em que no topo esteja a liberdade plena e, gradativamente, vai-se descendo, criando restrições à liberdade do réu no curso do processo através da imposição de medidas cautelares diversas (…), e, quando nada disso se mostrar suficiente e adequado, chega-se à ultima ratio do sistema: a prisão preventiva, conforme pontua AURY LOPES JR. (O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas: Lei 12.403/2011, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 150).

No caso sub oculis, verifico que estão presentes os requisitos previstos para a concessão da liberdade provisória mediante o pagamento de fiança, haja vista que o mesmo comprova que possui bons antecedentes e ocupação lícita, não existindo comprovação do periculum in mora.

EM FACE DO EXPOSTO, DEFIRO O PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA, e, com fundamento no artigo 321 do Código de Processo Penal, CONCEDO o benefício da LIBERDADE PROVISÓRIA ao indiciado MÉVIO mediante o PAGAMENTO DE FIANÇA.

Na forma do artigo 325, § 1º, inciso II, c/c inciso I, do Código de Processo Penal, verifico que em função da pena do crime e a tabela contida neste dispositivo o valor da fiança seria astronômico, razão pela qual reduzo o valor para arbitrá-lo em R$ 3.000,00 (três mil reais).

Com fulcro no artigo 319 do mesmo Codex, estabeleço as seguintes medidas cautelares:

1 – Comparecer a todos os atos processuais a que for intimado;

2 – Apresentar-se mensalmente em juízo, para dar conta de suas atividades;

3 – Não se ausentar da Comarca sem prévia e expressa autorização judicial;

4 – Não mudar de residência sem comunicar seu novo endereço.

Fique o flagranciado bem ciente de que o DESCUMPRIMENTO de qualquer dessas condições implicará na REVOGAÇÃO DA BENESSE E DECRETAÇÃO DE SUA PRISÃO PREVENTIVA, nos termos dos artigos 312, parágrafo único, e 313, inciso I, do Código de Processo Penal.

Após o recolhimento da fiança arbitrada, expeça-se ALVARÁ DE SOLTURA em favor de MÉVIO se por outro motivo não estiver preso.

Tome-se-lhe o compromisso.

Encaminhe-se à Distribuição do Juízo competente.

Intimem-se.

Diligencie-se.


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25 Comentários

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Hoje o Direito não é algo engessado e há muito os juízes vem construindo um farto conteúdo legislativo. Nesse caso, o juiz não o está vendo enquanto traficante pois chega a afirmar que ele possui atividade lícita e não oferece perigo, o que não se pode aferir do traficante como tal.
Teria que compreender melhor o que leva o magistrado a destoar do que a lei entende como tráfico e inafiançável.
Viva esse Direito dinâmico, construído nos tribunais que percebe um alcance maior que a letra da lei! Por outro lado, a aplicação da fiança é o que define que um traficante reles possa ficar preso e o que possui mais posses saia livre...pontanto, devemos também estar atentas ao brocardo: Um peso, duas medidas!!! continuar lendo

Concordo com vc, Luciana, quando afirma que o Direito não é engessado e que os juízes podem (e devem) analisar cada caso especificamente.
Mas, no caso em apreço, não seria melhor conceder a liberdade sem fiança, aplicando outra medida cautelar?
Afinal os requisitos da prisão não estão presentes, pois o magistrado entendeu pela liberdade.
Nada contra a liberdade, somente contra a forma como ela foi proferida. continuar lendo

Pedro, penso que o juiz tentou "consertar" a lei. Isso porque o simples fato de um crime ser inafiançável não impede a concessão de liberdade provisória, o que, na prática, faz com que em caso de crimes graves o acusado possa ser solto sem ter que recolher fiança, enquanto que em crimes menos graves a concessão da provisória está condicionada ao arbitramento e recolhimento de fiança. Trata-se de uma incoerência criada pelo legislador ao tornar alguns crimes inafiançáveis por força de lei, apesar de o STF já ter decidido que fiança e liberdade provisória não se confundem. continuar lendo

Mas ele não pode conceder fiança a um crime inafiançável. Repito, conceda a liberdade pura e simples ou com outra cautelar, mas fiança não dá. continuar lendo

Eu nao disse q ele deveria ter arbitrado fianca! continuar lendo

Revivendo essa discussão de 11 meses atrás, o tempo demonstrou que o Magistrado agiu corretamente. O Tráfico de drogas passou a admitir fiança na forma de medidas cautelares previstas no artigo 319. Venho acompanhando que constantemente HCs chegam ao STF/STJ em que fora aplicada fiança aos acusados de tráfico sem que isso represente qualquer óbice.

Também vale se informar que não há estranheza nenhuma para a expressão "liberdade provisória sob fiança", considerando que após a última grande alteração sobre prisão no CPP a fiança se tornou também uma medida cautelar, prevista no art. 319. Doutrina e jurisprudência não levantam grandes divergências. continuar lendo

O "problema", Renan, é que a Lei de Crimes Hediondos, em seu artigo , inciso II, afirma que tráfico de drogas é insuscetível de fiança, o que não impede a concessão de liberdade provisória sem fiança ou aplicação de outra medida.

Um grande abraço! continuar lendo

liberdade provisória sob fiança? essa é nova... continuar lendo

Pois é, Daniel.
Apesar de ser inafiançável, foi o que aconteceu.
Era mais simples ter concedido apenas a liberdade. continuar lendo

Para os crimes inafiançáveis não se pode conceder fiança, nem mesmo pelo juiz, ou seja, caso haja necessidade de libertar o réu, a autoridade judicial deverá fazê-lo sem, no entanto, arbitrar qualquer fiança. Isto é a regra.

o.O continuar lendo